sábado, 19 de junho de 2010

O verdadeiro Peter Pan


Peter Pan, sem dúvida alguma é um dos personagens mais marcantes da literatura infanto-juvenil, e todo mundo, ao menos uma vez na vida, teve um encontro com ele, seja por meio das inúmeras versões narrativas, seja pelo desenho animado da Disney. Mas poucos conhecem o verdadeiro Peter Pan. O Rapazinho egoísta e melancólico da versão narrativa intitulado “Peter Pan e Wendy” de Sir James Barrie, publicado no ano de 1911 e ofuscado pelas inúmeras adaptações- principalmente pelas atenuações da Disney, responsável pela popularização do personagem pelo mundo afora. Antes da obra “Peter Pan e Wendy”, James Barrie havia escrito “O Pequeno Pássaro Branco”, em 1902, livro onde o personagem aparece pela primeira vez. Em 1904 é transformando numa peça de teatro de muito sucesso na Inglaterra. Mais tarde, em 1906, é publicado “Peter Pan em Kensington Gardens" que conta história de um menino que enterra as crianças que não obedecem as regras do parque, entretanto ainda não continha as características encontradas na versão narrativa de 1911.

As versões em livros e animações para TV  reduziram a obra de Berrie ao " o menino que se recusa a crescer e vive muitas aventuras em sua eterna infância"  para se adequar ao público-alvo: as crianças. Isso foi apropriado, pois sua narrativa confusa e vaga não seria compreendida por leitores dessa faixa etária. Mas, Peter Pan não teria se configurado como um clássico da literatura infantil se não fosse por tais adaptações. As adaptações, muitas vezes, são o primeiro contato que se tem com a obra e, talvez, posteriormente com a versão integral. Mas o livro de Barrie, é tão complexo que se distancia absurdamente das suas versões e o que é chamado de ‘versão’, pode ser encarado como ‘distorção’ descarada, provocando certa indignação (pelo menos em mim provoca) quando temos a oportunidade de ler o original. O que parece é que a maioria das pessoas desconhece o livro, que há um autor, e então dão os créditos a Disney (“ah, aquele desenho da Disney!) e ignoram completamente a genialidade da obra.

Peter Pan e Wendy é uma crítica ao universo adulto. Nota-se isso pelas referências aos estereótipos desse universo representado pela família Darling. O senhor Darling, o patriarca da família a todo o momento tenta fixar respeito em relação a sua esposa e seus filhos e se adequar as imposições sociais. O seu esforço em se adequar ao padrão de vida da alta sociedade inglesa pode ser observado quando contrata uma cadela, a Naná, para ser babá de seus três filhos João, Miguel e Wendy apenas para se igualar aos seus vizinhos.
Sir James Barrie
A Terra do Nunca aparece como um refúgio  ao mundo adulto onde reside todos que o negaram ou não conseguiram se adequar a ele ( Peter Pan, os meninos perdidos, Capitão Gancho) . Mas ao mesmo tempo a Terra do Nunca e Peter Pan são reminescências da infância da própria senhora Darling, e o que parece Peter já povoa o imaginário das crianças há muito tempo conferindo uma atemporalidade a narrativa.

 Peter Pan é um personagem que chama atenção  por não ter  pretensão de passar alguma lição de moral. Ao contrário, é egoísta e irresponsável e sempre tenta chamar atenção para sua esperteza. Mas é na  sua ligação com wendy que é revelado toda a fragilidade do menino esperto e seguro, e criado o dilema crescer-não crescer, que fingi ignorar, mas que, na realidade, o pertuba. Wendy ora preenche o vazio maternal, que Peter nutre um profundo rancor, ora desperta o primeiro amor, na sua forma mais pura.

Além do medo de crescer, a obra deixa evidente o medo do abandono. E são todos esses elementos que faz de Peter Pan e Wendy uma obra diferente de todas outras da literatura infanto-juvenil. Barrie constrói uma atmosfera, utilizando magistralmente uma liguagem metafórica, em que a realidade que tanto angustia os personagens─por meio das pressões sociais ─ se confunde  com a fantasia, usando para isso um narrador que se aproxima do leitor ao convidá-lo quase formalmente a ver mais de perto a história, além dos inúmeros simbolismos: a Terra do Nunca, a Janela, que representa a fronteira entre a realidade e a fantasia,  o beijo escondido de senhora Darling.
Aqui no Brasil a primeira publicação do livro de Barrie de 1911 foi traduzida por Ana Maria Machado, que o fez de maneira cuidadosa, mantendo se fiel ao mesmo (menos na última frase do livro). O leitor não encontrará o que foi descrito aqui em outras traduções nacionais, por isso a escolha deve ser cautelosa para não se perder a essência, e as nuances desse personagem tão encantador.